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Aktuelle Version vom 9. Oktober 2015, 11:26 Uhr

Maçonaria e Holocausto (O Cemitério de Praga)

João Anatalino

Fundo histórico

O que a Maçonaria tem a ver com o holocausto promovido pelos nazistas contra os judeus, levando seis milhões de infelizes filhos de Israel a uma horrível morte nos campos de concentração e nas câmaras de gás construídas especialmente para promover a chamada “solução final”, ou seja, o extermínio total e definitivo de um grupo étnico, que há mais de três milênios vem incomodando um bocado de gente pelo mundo afora? Qual a verdadeira origem do conflito entre maçons e jesuíta? Qual a verdadeira origem do anti-semitismo que envenenou as ditaduras totalitárias da Europa na primeira metade do século vinte?

Humberto Ecco, em o Cemitério de Praga, nos responde a essas e outras questões, nos mostrando o subterrâneo de um mundo desconhecido e sinistro, que nós pensamos existir apenas na imaginação dos literatos e dos produtores de cinema. O autor anteriormente já havia nos brindado com clássicos como o Nome da Rosa e O Pêndulo de Foucald, que, de algum modo abordam temas recorrentes a este. O Cemitério de Praga é certamente de um romance, escrito no estilo desse conhecido filósofo e escritor, mas que trabalha fatos reais e verdadeiros acontecimentos históricos que marcaram a história recente da civilização ocidental e ainda hoje repercutem na política e nas crenças das pessoas, gerando um mundo inseguro e confuso, onde as causas dos conflitos já se perderam na memória dos povos, mas continuam informando seus comportamentos.

Em o Nome da Rosa o autor imagina uma conspiração sendo desenvolvida num mosteiro medieval, para esconder e evitar que um livro perdido de Aristóteles seja divulgado e acabe prejudicando a crença de alguns setores da Igreja nas virtudes do ascetismo e no valor do sacrifício e do sofrimento como caminho para o céu. Em o Pêndulo de Foucald ele aborda a paranóia dos cultores do misticismo, que não vacilam em cometer os mais terríveis crimes para botar a mão no chamado “Tesouro dos Templários”, que eles acreditam existir e constituir uma das chaves para o poder mundial.

Em o Cemitério de Praga, Humberto Ecco volta a focalizar a mixórdia que se desenvolve nos subterrâneos da mente humana quando os homens começam a misturar política, religião, poder, superstição e a própria vontade natural do ser humano de prevalecer sobre os demais. E com todos esses ingredientes ele cria um sinistro ambiente onde a loucura prevalece sobre a razão e a história passa a ser escrita, não pelos fatos que a natural interação humana costuma provocar, mas pela intenção deliberada e consciente de pessoas, cuja fixação é fazer prevalecer suas crenças sobre as demais e mais que isso, tirar proveito pessoal de tudo.

A história se desenvolve na segunda metade do século XIX, envolvendo os diversos movimentos revolucionários que sacudiram a Europa. Estão aí retratados os subterrâneos do pensamento que levaram à unificação da Itália, a criação do moderno estado da Alemanha, os conflitos que se seguiram à Revolução Francesa e que fizeram a França moderna, passando pelas Comunas de Paris, a Reconstituição do Império com Luis Napoleão, a guerra Franco-Prussiana e até as intervenções russas na política européia, e a conseqüente ascensão do regime comunista, que foi um dos principais pontos de desequilíbrio na conturbada vida social e política no velho continente em todo o século XIX.

Nesse estranho romance iremos encontrar seitas satânicas que tramam conspirações para tomar o poder, um curioso retrato do herói italiano Giusepe Garibaldi, uma interessante visão de como foi tramado e desenvolvido o dossiê do famoso caso Dreyfus, a descrição dos acontecimentos e tramas subterrâneas que levaram á famosa revolução da Comuna de Paris, com suas barricadas que serviram de tema para o famoso romance de Vitor Hugo, os Miseráveis, além de uma divertida e pouco conhecida história sobre a guerra de unificação da Itália, na qual se envolvem maçons, comunistas, jesuítas, judeus e outros grupos com interesses subterrâneos e pouco confessáveis, matando-se uns aos outros numa cena e conspirando conjuntamente em outra. Nele também encontraremos um jovem doutor Sigmund Freud prescrevendo tratamentos à base de cocaína e hipnose e o famoso escritor Alexandre Dumas, como maçom e financista da guerra de unificação italiana. Curiosidades históricas bastante significativas.

Entre cadáveres nos esgotos de Paris, punhaladas em becos escuros de Turim, Palermo, Moscou e outras cidades, agentes secretos que fazem jogo duplo, Irmandades diabólicas que não se detém ante os mais horrorosos crimes para atingir suas finalidades, missas negras, e principalmente competentes falsários fabricando documentos, dossiês e outras informações falsas, o cenário para as guerras que ensanguentaram a Europa no século XX foi preparado.

Utilizando a forma muito em voga na literatura do fim do século XIX e começo do século XX, ou seja, folhetim, Humberto Ecco nos mostra como se desenvolveu o espírito dos homens que produziram as grandes tragédias do século, e principalmente a filosofia da superioridade das raças que levou ao genocídio de mais de dez milhões de pessoas, entre judeus, ciganos, eslavos e outras minorias raciais, consideradas “dispensáveis” pela nova ordem mundial de “super-homens” arianos.

Os Protocolos dos Sábios de Sião

O fulcro central da história é a elaboração do famoso dossiê conhecido como “Protocolo dos Sábios de Sião”, atribuído a um grupo de rabinos reunidos num cemitério de Praga. Nesse documento, os judeus elaboram uma espécie de carta de intenções, na qual se projeta as estratégias judaicas para o domínio futuro do mundo. Nesse documento se descreve como os judeus pretendem manipular as comunicações, os sistemas educacionais, a ciência, a política, as relações sociais e trabalhistas, a filosofia, enfim, toda forma de controle do espírito humano. E isso poderia ser feito através da manipulação da imprensa e da mídia em geral, dos sindicatos, dos partidos políticos e principalmente pela exploração dos vícios das pessoas, especialmente a sua propensão para o álcool, as drogas, o sexo, o prazer irresponsável e a natural alienação das pessoas com relação aos seus próprios destinos.

Onde entram os maçons

Um dos atores mais importantes nesse esquema todo, segundo o enredo do romance, seriam os maçons. Afinal, a relação entre a Maçonaria e a tradição judaica é inegável. Não que a Maçonaria seja uma criação exclusiva dos sionistas, como pareciam acreditar os anti-semitas que perpetraram o holocausto, mas que ela tem uma identificação cultural e filosófica com a tradição judaica isso não se pode negar. É da própria filosofia corporativa que informa a criação de grupos “eleitos” dentro de uma sociedade o fato de que, para sua sobrevivência e até para manter a mística que os faz atraentes, esses grupos estejam sempre ligados a uma idéia de conspiração e segredos iniciáticos ligados á uma idéia de controle da mente humana. Daí o caráter de satanismo que sempre se atribuiu a esses grupos.

Essa mística tem acompanhado os judeus por toda sua longa história, e está na origem da idéia de “povo eleito” que eles a si próprio atribuíram, e também se aplica aos maçons, enquanto sociedade secreta e iniciática, que congrega pessoas importantes em todos os sistemas políticos e sociais do mundo, e que parece sempre estar na base dos movimentos mais importantes da História.

Dessa forma, todo governo totalitário, quando toma o poder, suas primeiras vítimas são esses grupos. Napoleão, quando tomou o poder na França, a sua primeira medida foi colocar os judeus sob uma estrita vigilância e fechar as Lojas maçônicas, conquanto ele mesmo tivesse sido iniciado em uma delas. Essas medidas também foram imitadas pelos comunistas quando tomaram o poder na Rússia, por Getúlio Vargas quando se tornou ditador do Brasil, por Mussolini na Itália e por outros governos autoritários pelo mundo afora.

Na Alemanha de Hitler não foi diferente. A par da perseguição e extermínio sistemático dos judeus, Hitler também fechou as Lojas maçônicas da Alemanha e jogou nos campos de concentração um grande número de maçons. Segundo ele, a Maçonaria fazia parte da conspiração mundial dos judeus para a tomada do poder e a maioria dos maçons era de origem judia. Destarte, ele suprimiu a maçonaria oficial e criou a sua própria Irmandade, na forma das diversas sociedades místicas que se desenvolveram na Alemanha nazista.

Hitler usou as declarações do suposto Protocolo dos Sábios de Sião e os pressupostos fundamentais da maçonaria para justificar o seu ódio racial pelos judeus e sua aversão á maçonaria. Evidentemente ele sabia que o tal Protocolo era uma grosseira falsificação, feita por agentes anti-semitas, da mesma forma que também tinha consciência de que a Maçonaria não tinha nenhum plano de oposição ao regime nazista. Mas o poder espiritual e econômico dos judeus era temível e a inclinação libertária da maçonaria sempre poderia representar um perigo.

Maçons e judeus tiveram o mesmo tratamento tanto no regime comunista de Lenine Stalin quanto no regime nacional-socialista de Hitler. Segundo esses arquiinimigos do espírito humano, eles eram sócios no mesmo empreendimento. Por isso deviam ter o mesmo destino.

O romance de Humberto Ecco nos mostra como tudo isso foi preparado. Pelo menos como se desenvolveu nos bastidores da política e dos interesses escusos dos grupos e das pessoas que foram responsáveis por esse que foi talvez o mais triste e lamentável período da história humana, o cenário propício para que esses acontecimentos ocorressem.

O Cemitério de Praga não é um livro fácil de se ler. É preciso ter um certo conhecimento da história contemporânea e um mínimo de informação sobre as crenças e a filosofia que norteou o pensamento da época. Como o próprio autor diz, trata-se de um romance escrito à maneira dos folhetins oitocentistas, e como tal deve ser lido. Só tem um detalhe que precisa ser considerado: todos os personagens, com exceção do narrador, são verídicos e fizeram o que lhes é atribuído no romance. Até o protagonista, embora fictício, faz coisas que realmente foram realizadas.

De tudo isso o autor nos deixa uma mensagem inquietante: Muitas vezes a História é construída em cima de mentiras bem ou mal urdidas por interesses de grupos. E o que vai para os livros ou sobrevive nos resumos nunca é o fato em si, mas a opinião de quem sobreviveu a eles.

De qualquer modo é um romance que merece ser lido. Principalmente pelos Irmãos maçons que da sua Ordem só sabem o que constam dos rituais e dos resumos apresentados no “quarto de hora de estudos”.

Resenha do livro “O Cemitério de Praga- Humberto Ecco- Ed. Record, Rio de Janeiro, 2012

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