Pt: Um amigo fiel

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Um amigo fiel

Autor: Alberto D’Assumpção, Afonso I, nº 84 a O:. de Guimarães

Diz o Livro de Ben Sira: “Um amigo fiel é um abrigo seguro; quem acha um amigo desses acha um tesouro. Não há nada mais precioso do que um amigo fiel, o seu valor não pode ser medido. Ele é um elixir da vida, e só os que temem o Senhor poderão encontrar um amigo assim. Quem teme o Senhor sabe escolher bons amigos, pois segundo o seu próprio carácter, assim é o seu amigo” (Ben Sir. 6, 14-17)

A 25 de Dezembro de 2010, numa localidade inglesa, uma mulher de 45 anos colocou no Facebook um comentário suicida. A mensagem era um pedido desesperado de ajuda. Embora possuísse mais de mil amigos virtuais, nenhum a ajudou. No dia seguinte, a polícia encontrou o seu corpo – tinha morrido de overdose de fármacos.

A tecnologia moderna permite-nos ter milhares de amigos que adicionamos e removemos com um simples click, mas o trágico acontecimento com esta senhora britânica alerta-nos para um simples facto: muitas pessoas não têm verdadeiros amigos. Nunca socializámos tanto como nos dias de hoje e nunca o número de amigos verdadeiros foi tão reduzido! Alertou-me para este tema uma prancha de um irmão nosso da Respeitável Loja Affonso Domingues intitulada “porquê ‘meu irmão’ e não ‘meu amigo’?”

Estranho sentimento este, o da amizade. Confesso que me intriga e me move a curiosidade conhecê-lo melhor. De que falamos, quando falamos de amizade? Diz-nos o dicionário que a amizade é um relacionamento humano que envolve o conhecimento mútuo e a afeição, a par de uma lealdade que vai até ao altruísmo: é uma das mais comuns relações interpessoais que a maioria dos seres humanos tem na vida.

Hoje em dia assistimos a uma quebra de valores acentuada. A amizade não é excepção: caiu numa espécie de confusão – é excessivamente pronunciada mas escassamente existente na sua plenitude. Costuma até andar de mãos dadas com o interesse e oportunismo: dá-se, esperando algo em troca; recebe-se planeando a devolução. Usamos com frequência a palavra amizade para descrever companhias que nos divertem ou satisfazem ou dadores que nos mimam. Mas será isso a amizade?

Escreveu Elredo de Rievaulx, no séc. XIII, no seu “De Spirituali Amicitia”: “Entre as coisas humanas, nada mais santo se pode desejar, nada mais proveitoso se pode buscar, nada se encontra mais dificilmente, de nada se tem mais doce experiência e nada mais proveitoso se pode ter do que a amizade. Pois ela leva consigo o fruto da vida que permanece. Tempera com a sua doçura todas as virtudes, enfraquece todos os vícios com a força do seu poder, mitiga a adversidade e modera a prosperidade. De modo que, entre os mortais, ninguém pode ser feliz se não tem amigos”.

A verdadeira amizade, embora possua inevitavelmente uma componente sentimental, ultrapassa a sexualidade e o eros; supera o utilitarismo e o interesse e instala-se no campo da livre doação, da comunhão, da intimidade de vida e de experiência. Por isso Aristóteles a coloca na esfera pessoal e na categoria de virtude, e Cícero, no seu “Lélio ou da Amizade”, afirma que “é a virtude que produz a amizade. É uma aliança que oferece aos homens o melhor e mais feliz meio para caminhar juntamente em direcção ao bem supremo”. Milan Kundera, no seu livro “A Identidade”, escreve: “a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu”. E continua: “Toda a amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra os seus inimigos. Os amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo contraído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridas numa chuva de verão”.

Existe hoje em dia uma escassez de moradia muito mais grave que a falta de casas: é a escassez de homens interiormente disponíveis para acolher os seus irmãos, para ser amigo de verdade. É que conquistar um amigo dá trabalho: é preciso criar o “deserto” dentro de si, aceitando que o outro venha ocupá-lo. Acolher um amigo é, em primeiro lugar, ouvir, e são poucos os que sabem ouvir, porque poucos estão vazios de si mesmos e o seu EU faz demasiado rumor. Muitos se queixam de falta de amigos, mas poucos se preocupam em reunir as qualidades indispensáveis para conquistar amigos e conservá-los.

A amizade é amor: quando a amizade existe, ama-se com todo o coração. A amizade é um porto seguro, um espaço resguardado de qualquer tipo de julgamento ou falsidade, onde a transparência da alma – mesmo dos seus espaços mais sombrios – pode ser vista e reflectida. Tem como ingrediente indispensável a confiança, que afasta o medo e o pudor, que permite deixar cair as máscaras que vestimos todos os dias e nos torna genuínos.

Meus queridos irmãos, é com este sentimento que respondo ao dilema: “irmãos ou amigos?”. Sinto que, se um juramento nos irmanou, é a construção de sólidos laços de amizade que dá sentido às palavras juradas sobre o Altar: Acima de tudo amigos que se apoiam na caminhada. É muito curioso que no Evangelho de S. João, aquele que abrimos em cada sessão, nas palavras finais durante a Ultima Ceia, ao anunciar o “seu” mandamento – “que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei” – o Evangelista coloque na boca de Jesus as seguintes palavras: “Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai” (Jo. 15,15).

Termino com um pensamento final. É de Agostinho da Silva, no seu “Sete Cartas a um Jovem Filósofo”: “ O essencial na vida não é convencer ninguém, nem talvez isso seja possível; o que é preciso é que eles sejam nossos amigos; para tal, seremos nós amigos deles; que forças hão-de trabalhar o mundo se pusermos de parte a amizade?”

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